Corrida
Hoje sonhei contigo. Sonhei que te via e enquanto te via as minhas pestanas não paravam de crescer. Eu tentava afastá-las e lutava para que a tua imagem não saísse dos meus olhos, aquela cortina a formar um muro, com o peso que não parava de aumentar. Estavas do outro lado da rua, numa praça de táxis vazia e eu do outro lado da rua, na mesma praça de táxis, à espera de um que me levasse em sentido contrário. Não consegui perceber se estarias só ou acompanhado, mas parecia que falavas com alguém. Tinha muita vergonha do que me estava a acontecer, tinha as pestanas mais compridas que o cabelo, abaixo do cotovelo, pelo joelho, pelo tornozelo. Não conseguia sair dali, os pés presos ao passeio. Usei de todos os gestos que consegui esboçar, mas as pestanas cobriam-me o rosto e escorriam-me pelo peito, até ao chão, competindo com as raízes de um plátano dentro da sua caldeira à esquadria. Num fugaz momento pareceu-me que olhavas na minha direcção e o pânico instalou-se. Não podias ver-me assim, com pestanas que não paravam de crescer e me pesavam tanto nas pálpebras. Podias pensar que estava louca ou doente e isso seria tudo verdade, mesmo que as minhas pestanas não lembrassem lenços a sair da boca de um ilusionista. Virei as costas e andei o mais naturalmente que pude, deixando um véu de linhas atrás de mim. As pestanas atadas às raízes.