perfur ar
acordava redonda e invisível. sem arestas. sem peso. os amigos reconheciam-na por um ou outro reflexo, se a luz por acaso incidia sobre ela no ângulo certo. bastava um sopro, uma intenção, um entreabrir de lábios. tarde de mais.

para a frente
trevos e azedas debaixo dos pés
um
pouco mais que pele como bandeira
dois
um, dois
um

wonderful town
isto passou-se em lisboa. um homem com pés de pássaro passou por mim na rua. levava um vaso com uma orquídea branca muito alta que lhe indicava o caminho. segurava o vaso com as duas mãos. ainda não o sabia, mas deixara o porta-chaves esquecido em cima do balcão da loja, na atribulação do multibanco, da hora tardia, das redes saturadas. a loja estava a fechar quando entrou decidido a levar a orquídea branca e a empregada fizera o especial favor de atender aquela urgência. teria de tocar à campainha ou chamar os bombeiros para lhe arrombarem a porta. atravessava a estrada, numa rua perpendicular à minha, no momento em que o meu sinal mudou para verde, mas não apareceu no retrovisor. eu vinha do cinema. ele ia nessa direcção.