casa alta

da janela da cozinha corre um céu até ao chão
(desprendem-se-me dos olhos constelações de pirilampos)
e o rio de mel que jorra das vozes pequeninas
junta-se à seiva das árvores
ao pulsar quente da terra
e a um corpo nu, líquido e frio
que já foi meu

visto-me de novo de casca
visto-me de vento, de concha, de casa
visto-me de porta e de degrau
sou levada pelo levante
descalça
com pés de gravilha
de estrada, de terra, de seixos
por muros, muralhas, montes, pontes, pinhais e montados
(ínfima sombra neste dia que se abre
como uma caixa que guarda um imenso clarão
e que demora a nivelar a cor do horizonte)

o voo espavorido das aves cobre-me de luz e de penas
e morre-me muitas vezes o mar quando chego
para poder renascer no tempo certo
a cada bater de asas
a cada derrocada de pedras
a cada sopro, cada choro
e a cada respiração


melides, 24 de agosto de 2012