rapazinhos
só me foram levar à escola no primeiro dia de aulas. não fiz pré, entrei para a primeira classe, mas já lia desde os quatro anos. a partir do segundo dia passei a ir sozinha, com a minha pasta cor-de-laranja e o cesto com o lanche, pelo passeio que contornava as pracetas, antes de os jardins terem dado lugar às flores de lata com rodas. tinha de atravessar apenas uma estrada preta, o resto do caminho parecia ter sido feito por medida para me levar à escola, e eu devia parecer uma espécie de judy garland com totós loiros. como já conhecia as letras, podia distrair-me à vontade com o cheiro dos lápis e do estojo, com a textura dos cadernos, com o tilintar das pulseiras da professora, com a inclinação da carteira que trazia o assento agarrado e com a extraordinária t-shirt dos marretas, muito brilhante de tão sintética, do menino sentado ao meu lado. pelo caminho apanhava umas flores cor-de-rosa que tinham dentro uma gota de um líquido doce. nunca menos de cinco ou seis. bem as provo agora, sempre que as vejo, mas ainda não encontrei uma que me devolvesse aquela sensação de doçura e pergunto-me se a terei perdido na minha boca.