futuro

quando nasci quase me esqueci de trazer
o meu presente comigo
os dias todos da minha vida
pequenos papéis vegetais
páginas de um livro por coser

antes de nascer costumava sobrepô-las
em múltiplas combinações
ao alto
ao baixo
desencontradas
formando mapas de cidades muito diferentes
mais dispersas mais concentradas
mas todas centrífugas

antes de nascer parecia fácil escavar as ruas
da minha cidade
não sabia que as teria de escavar
dentro de mim
não sabia que a cidade era só eu
e que haveria de ser eu
a única habitante de todas as casas
a guardiã de todos os jardins
a origem de todas as sombras

talvez por isso hoje não pertença
a parte nenhuma

deixei a cidade a meio
revolta
estaleiro de equívocos
andaimes incertos a segurar o céu
jogo de espelhos puídos
onde raramente me reconheço
onde confundo direito com avesso
dentro e fora longe e perto
tarde e cedo quente e frio

deixei a cidade a meio
abandonada
alimento-me do papel
que me corta os dedos
e me lembra que são dias
estes dias de nada