presentes

deram-me muitas vezes (muitas)
embrulhos que eu fingia desconhecer
caixas (caixas transparentes)
cheias de dias claros (brancos)
embrulhadas em nuvens (nada)
com laços azuis (um céu sem espessura)
eu aceitava os embrulhos
guardava-os nos braços, nas pernas, onde os pudesse ver
e esquecia-me deles
até sentir uma dor fininha, uma comichão, uma moinha
e perceber, com a ponta dos dedos,
que mos tinham arrancado
gente estúpida que desconhece
os caminhos da pele
e que não vê que esta cobre
tudo o que o sonho rejeita
chegaste como um som límpido
que suprime a luz em volta
trapezista sem vara
numa corda em rigorosa tensão
e como uma vaga de fundo
que apenas se pressente
nas imagens reflectidas
em janelas que se abrem
ocupaste-me as sombras
subiste-me pelo ventre
desenhando o contorno do mundo
com as pontas dos dedos
no espelho embaciado
da minha voz


21 de novembro de 2015