julieta

dois gramas de beladona bastam
uma lasca de morfina sem retorno
morfeu em vez de romeu
hipnos somno em sono de ave
cama ardente de penas
que reclama o corpo de tânato
um corpo que tome aquele corpo
e o inflame


cada flor guarda o segredo das mortes não consumadas
e cada bolbo enterrado que não germina guarda o meu segredo

embala-me o cheiro doce e enjoativo
que se entranha nas fibras do tempo

as flores que não cheguei a pôr na jarra

dirão que as descurei que não as aproveitei
na verdade foi assim que me pareceu certo deixá-las
um molho de flores mortas sobre o armário da entrada

para lá da porta a estrada

astro
lábio

há vários dias que tento identificar o local preciso onde os contornos se tocam
(tenho o tempo da cozedura da massa para escre
ver)
a grande falha oceânica que desenha a fronteira
(enquanto a água não ferve e a sêmola não amolece)
mas foge-me a latitude e a longitude por entre os esconderijos do peito
(desfio as frases duras e lânguidas que deram guarida a outro fervor)
afundam-se num misterioso mar que engole planetas e estrelas
(desfaço-as para perceber o que gu

ardam dentro)

sinto-me fonte hidrotermal ecossistema de dias claros
que penetram o chão do mundo e ressurgem
trazendo consigo o clamor do fogo daquela profunda garganta aberta
golpe de asa golpe de fisga golpe de sol
a pele enrugada pela água confortada pela luz
e de novo imersa no silêncio morno da espera

mas não sei onde fica o lugar onde os contornos se tocam
(a água evaporou e a massa queima)
funambolismos
há quem nos corte a corda antes do salto e há quem nos receba em rede inesperada. há quem nos corte a corda antes do salto e nos receba com uma rede esburacada. há quem nos ate a corda e há quem nos poupe o salto. e há quem salte connosco de qualquer alto.