som de retorno
nos dias cinzentos vejo-me rodeada de olhos. não são olhos vivos, mas olhos que vivem. alimentam-se dos sorrisos não consumados e riem-se de mim. gargalhadas sonoras.

tradução e legendagem
as luzes esmorecem, apresentações feitas. dali vejo-os todos, sem lhes ver os rostos. vejo as vozes que esperam o fim para aplaudir. o filme arranca. estou atrás da tela. ninguém me vê projectar. saio a pensar que ainda lá vivo, que ainda regulo o som de retorno. imagino sempre como seria se lhes contasse outra história.

colei uma coisa na parede com fita cola. descolei-a porque estava torta e a parede veio atrás. atrás da coisa agora há um buraco, mas ninguém vê. é uma janela secreta de onde espreito para dentro da minha própria casa. para o interior.

bem-vindo
puxe
feche os olhos. veja. abra os olhos.
empurre
volte sempre
obrigado

o sol visto por dentro
não me interessa a mecânica das coisas, não me interesso por mecânica. mas descubro, por acidente, o fundo falso das gavetas, o salto oco do sapato, a câmara obscura do mágico onde convivem coelhos, confetti, lenços, flores, pombas e mulheres serradas ao meio.
azul fátuo
os meus braços. dois carris.
e,
num minuto de estática, perdi o equilíbrio.












deixei de me ouvir.

teatro
não acendas a luz. as sombras são infinitamente mais bonitas que os corpos. as sombras não têm medo de ser o que são. assumem os contornos. mostram-se. fundem-se com as outras sombras e saem intactas, definidas, intocáveis. gigantes.

eu espero o tempo que for preciso, não te preocupes. eu compreendo. claro que sim. claro. claro que sim. não vás por aí, passei por lá há pouco e havia um carro igual ao teu parado na faixa do meio. não sei. pois é. claro. claro que sim. nada, estou a ouvir. não, está tudo bem. claro. olha, vou ficar sem bateria. não, podes falar.

fim
veio um pássaro e levou-o. era um pássaro nunca visto. tinha o bico azul e olhos de luz. deitou-se no dorso do pássaro, abriu os braços e fingiu que comandava a viagem.

tenho um prazo psicológico que afixei na consciência. é um prazo à engenheiro com a devida margem de cagaço. dali não passo.

vou ali. ao lado da linha. na via. navio encalhado. à minha frente homens de lata com rodas nos pés. iguais a mim. se as portas fossem asas
sintoma sintagma magma axioma
sinopse sinapse psique tique fim
s ó s o u s e o u s o e s t a r s ó