ofício

prefiro o silen 
cio
ao cifonismo
que é hoje 
e só hoje
palavra do dia 
(no priberam)

prefiro as moscas à merda
o mel à manteiga
e o junco à rã

os silêncios viscosos
guardo-os em cestos de vime
bio
degradáveis

enterro-os e espero
de boca fechada

mas digo sempre «obrigada»
cama de gato

já não são largas trincheiras os corredores do mundo
nem alçapões sem fundo
nem vórtice nem vértice nem vertigem nem margem 
agora as mudanças de tempo fazem-se anunciar no palato
vêm em ondas adocicadas de contentamento
sem rebentação
e espraiam-se pelos ossos
com risinhos certeiros apontados à medula

ainda me equilibro nas estacas para andar sobre as marés
como um gato que insiste que sabe voar
ou como um gato que voa
ou como um gato que dizem que voa
ou como um gato a quem dizem que podia voar se quisesse
ou como um gato que dorme
debaixo da língua
sem sede sem fome
e sem nome
tapumes
ninguém me disse que o coração se abria com uma micro chave sextavada
com nove pontas de precisão
talvez por isso andasse a dormir ao lado da cozinha
e a sonhar com la
gosta suada
(prato que nunca fiz por pudor de meter outro bicho que não eu própria numa panela de água a ferver)
pesadelos às prestações

também ninguém me disse que a gaiola que resguarda o coração
não tem porta
talvez por isso de nada me tenha servido
o pé de cabra que guardo atrás da porta de casa
nem o lenço da cabra cega
nem a cábrea que ainda me ampara
trago os bolsos cheios de pessoanas pedras
que converti em seixos com as minhas mãos
hei-de de saber atirá-los em arcos perfeitos a perder de vista
sobre um espelho de água impossível de partir

preia-mar
levamos
uma mão cheia de dias
entre o côncavo das nossas mãos
uma mão cheia de luzes e ausências
escoltadas por janelas simétricas
uma mão cheia de estradas
uma mão cheia de saídas
uma mão cheia de sinais
uma mão cheia de conchas
uma mão cheia de sóis
pelo longo passadiço de madeira tratada























Kate Castelli, “The Hard Way”, woodblock on book covers