presa às palavras inversas que arrancaram do papel
a tinta preta, já gasta, com sangue diluído em céu

guardo contornos nos bolsos
rolinhos de linha que não cosi à pele
são como contornos de nuvens: coelho, cisne, cavalo, castelo
lavo-os na máquina a 30º (para não encolherem)
e uso sempre amaciador

insuflado beijo que materializa a sombra
asas camufladas no instante do desejo


não aprender

tesouras, elefantes e borboletas
sons que perfuram gavetas
patadas de pó, florestas
poisos de luz insinuam-se nas frestas
não tapar, não abrir, não fechar

um livro em cima da cabeça
não cai nem mesmo com pressa

os cavalos a correr
já venho!


sull'orlo della sera



atrás do sol
prometeu-me um sinal todas as noites, um clarão, um risco no céu, um acender, um apagar. para que não restassem dúvidas apareceu-me à janela e aqueceu-me os ombros e o rosto. depois afastou-se, caminhando de costas, com os olhos presos aos meus como dois feixes de luz. fiquei ali plantada, ganhando raízes que se entranharam pelas frestas dos mosaicos, pelos tijolos, pelas tubagens, calcorreando paredes em busca de solo, de outras raízes, desviando-se de alicerces e de lençóis freáticos, correndo mais depressa que as horas do dia, mais ardentes que o próprio núcleo da terra, até chegar ao outro lado do mundo. e, no entanto.



para a *


haiku

no fio
o frio
a nu

desdobrou-se em camadas finas como folhas e meteu-se no forno. eléctrico. saiu inteiro, soldado, preso por pinças, acabado. pronto.
à sua espera uma fanfarra de instrumentos, bons e maus condutores de corrente. na única boca que desejava sucumbiu ao peso dos dentes, às voltas da língua. como uma ave que p
ousa num ramo mais leve que o seu próprio corpo.