tenho uma heidelberg
no lugar do coração
um
pace
maker
ana
lógico
especialista em impressão
imprimo mensagens a cores
em papel de algodão
saem-me pelos poros a preto
suores frios de papelão
despertar
dentro do corpo o corpo gasta
dentro do corpo o corpo gosta
dentro do corpo de lixa o corpo aplaina
dentro do corpo de folha o corpo corta
dentro do corpo o corpo de
lira
dentro do corpo o corpo de
canta
dentro do corpo o corpo en
contra
dentro do corpo o corpo a
corda
os braços curtos não chegam aos braços
do corpo maior que o corpo
dentro do corpo o corpo gasta
dentro do corpo o corpo gosta
dentro do corpo de lixa o corpo aplaina
dentro do corpo de folha o corpo corta
dentro do corpo o corpo de
lira
dentro do corpo o corpo de
canta
dentro do corpo o corpo en
contra
dentro do corpo o corpo a
corda
os braços curtos não chegam aos braços
do corpo maior que o corpo
as árvores que viste plantar choram hoje a tua partida, lágrimas de flores que hás-de sentir sob os teus pés. a mim hão-de faltar-me os teus braços fortes onde pendurei o meu baloiço, olhar para cima e ver os teus olhos de céu. vai, querida árvore da minha vida, raiz profunda. deixa-me o teu desassombro sem fim.
janela
reparei hoje que tens um olho de cada cor. com um vês-me por fora, com o outro vês-me por dentro. não sei qual é qual, sei que os meus se atam aos lenços que saem da tua boca, presos por nós, quando me dedicas esses mirabolantes números de magia. palavras vestidas de cordas. laços azuis e verdes.
prometi que ia passar o dia muda. a minha boca seria uma janela fechada, terias de ler-me nos olhos, na pele, aquilo que quisesses saber. não te vi nesse dia. cada hora que passava acoplada à seguinte com um clique, numa corrente que me asfixiava os gestos. a música a doer-me nos poros como água oxigenada, o vento a lembrar-me que tenho corpo e que o corpo respira. nunca mais prometo nada, prometo. agora é noite e a luz é da cor que eu quiser.
acordei sobressaltada, a janela escancarada, as cortinas desesperadas por tocar a fachada em frente. levantei-me entorpecida e fechei a janela, devolvendo as cortinas brancas ao vidro e à parede. voltei para a cama e tapei-me até ao nariz para assistir ao teatro de sombras. preto no branco. um ramo, uma folha, um ramo, uma folha, um ramo, uma folha, um r amo, uma f olha, umr amo, umaf olha. amo. olha.
nota: a imagem não é minha. não sei de quem é.
travessia
prendeu a ponta do arame no para peito, a outra ponta presa ao ramo mais corajoso. lá em baixo todos aplaudiriam, embora ainda não soubessem o que se preparava para acontecer sobre as suas cabeças, nem soubessem tão pouco que o corpo é capaz de tais prodígios, como olhar para cima. fez uns breves exercícios de aquecimento, ensaiou os passos e o retomar do equilíbrio com uma rápida flexão dos joelhos. hesitou em relação à lista de nove páginas que teria de levar consigo: quatro numa mão e cinco noutra? ou ao contrário? decidiu levar as nove páginas na mão esquerda, da qual mais facilmente se esquecia. a outra ficaria livre para comandar mecanicamente o gesto. respirou fundo, acariciando com essa respiração a camada espessa de contentamento que lhe forrava o desígnio.
dali a nada estava a meio do arame, os pés em breve acento circunflexo. se tremia não se via. não se via. muito ao longe um dirigível vermelho cortava o lençol de vento que decidira, à falta de melhor dispositivo de segurança, suspender a trajectória para acolher aquele intrépido trapezista sem rede. coisa nunca vista. os cinco últimos passos foram breves como colcheias, o restolhar das folhas confundindo-se com o restolhar da lista, o rombo dos aplausos anunciando-se na batida cardíaca. chegado ao ramo desprendeu o arame que de novo se colou à fachada do prédio. ali ficou muitos anos, misturado com os cabos eléctricos e os fios telefónicos, guardiões de outros impulsos.
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