tenho uma heidelberg
no lugar do coração
um
pace
maker
ana
lógico
especialista em impressão
imprimo mensagens a cores
em papel de algodão
saem-me pelos poros a preto
suores frios de papelão


este
des
as

sossego

este
des
as
so
ss
ego
cego


despertar

dentro do corpo o corpo gasta
dentro do corpo o corpo gosta
dentro do corpo de lixa o corpo aplaina
dentro do corpo de folha o corpo corta
dentro do corpo o corpo de
lira
dentro do corpo o corpo de
canta
dentro do corpo o corpo en
contra
dentro do corpo o corpo a
corda

os braços curtos não chegam aos braços
do corpo maior que o corpo



sou o fiel
de uma balança de três pratos
trabalho, trabalho e trabalhos

a bailarina das pernas coladas
que se desdobra em espelhos

pequena figura de plástico
que ao longe
quase tem graça

pequena figura sem peso
que espera





o fim da música
a tampa da caixa




true colours
insuflar os dias
como balões
deixá-los voar
deixar que se percam
deixar que se prendam
em ramos de árvores
em cabos telefónicos
deixar que caiam
em dedos anónimos
ou segurá-los com um cordel
ao pulso
e vê-los perder o ar
mas não a cor
pegar em ti
colar-te
pôr-te em cima de uma mesa
com uma mão
apoiar a cabeça
e com a outra
percorrer as linhas
no teu corpo
fronteiras
de países sem terra
mapa de mágoas

a rua doi-me
e doem-me algumas ruas

no espelho cruz
am-se
a latitude
e a longitude
despacho
o passo
desvio
o passo
designo
o passo
desenho
o espaço
part ida

parte de mim
resvala
parte de mim
resiste
as árvores que viste plantar choram hoje a tua partida, lágrimas de flores que hás-de sentir sob os teus pés. a mim hão-de faltar-me os teus braços fortes onde pendurei o meu baloiço, olhar para cima e ver os teus olhos de céu. vai, querida árvore da minha vida, raiz profunda. deixa-me o teu desassombro sem fim.

janela

reparei hoje que tens um olho de cada cor. com um vês-me por fora, com o outro vês-me por dentro. não sei qual é qual, sei que os meus se atam aos lenços que saem da tua boca, presos por nós, quando me dedicas esses mirabolantes números de magia. palavras vestidas de cordas. laços azuis e verdes.

prometi que ia passar o dia muda. a minha boca seria uma janela fechada, terias de ler-me nos olhos, na pele, aquilo que quisesses saber. não te vi nesse dia. cada hora que passava acoplada à seguinte com um clique, numa corrente que me asfixiava os gestos. a música a doer-me nos poros como água oxigenada, o vento a lembrar-me que tenho corpo e que o corpo respira. nunca mais prometo nada, prometo. agora é noite e a luz é da cor que eu quiser.

acordei sobressaltada, a janela escancarada, as cortinas desesperadas por tocar a fachada em frente. levantei-me entorpecida e fechei a janela, devolvendo as cortinas brancas ao vidro e à parede. voltei para a cama e tapei-me até ao nariz para assistir ao teatro de sombras. preto no branco. um ramo, uma folha, um ramo, uma folha, um ramo, uma folha, um r amo, uma f olha, umr amo, umaf olha. amo. olha.






nota: a imagem não é minha. não sei de quem é.

uma multa e três
flores de jacarandá
no meu pára-brisas
no peito não pára
a corrente
de ar




ver
se

sãodiassãoh orassão d ias
semanassemanas emanas

des
colei um
penso
do br
aço
puxei com cui
dado
não saía
puxei com mais
força

arrancou-me
um ped
aço


flores mortas
alimentam raízes

suspenso
pensamento
fio de prumo
fio de vento

travessia
prendeu a ponta do arame no para peito, a outra ponta presa ao ramo mais corajoso. lá em baixo todos aplaudiriam, embora ainda não soubessem o que se preparava para acontecer sobre as suas cabeças, nem soubessem tão pouco que o corpo é capaz de tais prodígios, como olhar para cima. fez uns breves exercícios de aquecimento, ensaiou os passos e o retomar do equilíbrio com uma rápida flexão dos joelhos. hesitou em relação à lista de nove páginas que teria de levar consigo: quatro numa mão e cinco noutra? ou ao contrário? decidiu levar as nove páginas na mão esquerda, da qual mais facilmente se esquecia. a outra ficaria livre para comandar mecanicamente o gesto. respirou fundo, acariciando com essa respiração a camada espessa de contentamento que lhe forrava o desígnio.
dali a nada estava a meio do arame, os pés em breve acento circunflexo. se tremia não se via. não se via. muito ao longe um dirigível vermelho cortava o lençol de vento que decidira, à falta de melhor dispositivo de segurança, suspender a trajectória para acolher aquele intrépido trapezista sem rede. coisa nunca vista. os cinco últimos passos foram breves como colcheias, o restolhar das folhas confundindo-se com o restolhar da lista, o rombo dos aplausos anunciando-se na batida cardíaca. chegado ao ramo desprendeu o arame que de novo se colou à fachada do prédio. ali ficou muitos anos, misturado com os cabos eléctricos e os fios telefónicos, guardiões de outros impulsos.

essa tua maneira de viver à força
esses teus passos leves que te levam tão longe
os teus olhos que riem de todas as cores

ainda espero por ti fechada no carro
os pés pendurados, sem tocar no tapete
sei todos os caminhos a partir daqui

ser de