sísifo

ainda as sinto, quentes
duas mãos ou duas feridas
ou duas mãos feridas
nas minhas costas
sinto a vertigem do vértice
a pedra solta onde não cabem os meus dois pés
e toda eu acorro à hemorragia
plaquetas, pulso, pulmões
os braços estancando o movimento
mãos presas
a mãos
dedos
penas
asas desenhadas a lápis
des
prendem-se
despenham-se
chroma key

chego a casa dou à chave
cheira bem
não está ninguém

o pó foi limpo
maséprecisocorrigiratrajectóriaoblíquadetodososobjectosnasestantes
mania das mulheres a dias

pouso as chaves
pouso a mala
dispo-me
peça por peça
devagar
e arrumo-me nua numa caixa
até ao jantar

chego à caixa ponho a tampa
cheira bem
não está ninguém

nas arestas invertidas há restos
de ombreiras antigas

ponho o corpo
ponho a pele
cubro-me de carne viva
furo lento

quatro carros avariados e três acidentes cruzaram-se hoje no meu caminho. sete triângulos e um reboque. estradas-bocas mudas que perdem dentes. ácidas. sempre em frente. não par
ar.
shoe box

sharp pointless memories
cling and clank inside
metal lips a broken smile
welded words
soar like balloons
undone laces
escape my hand
propriocepção
ainda me espanto um pouco quando me fazem perguntas. estranho. eu, que não me vejo, deixo-me ver. saberão os outros se realmente sou ou serão os outros também pequenos demais para os seus corpos, seres sobre andas que respiram com os olhos dentro de fatos de olharapos?
olhos pesados como pisa-papéis
vêem traços a bic cristal

azul

uma pedra, duas, um par de pés, outro par, uma banda a marchar, de costas vêm os maestros, um sindicato em protestos, explosões de confetis, fogo de artifício, engolidores de fogo, casa num precipício, palavras a três dimensões, autoclismo, auto-puma, um domador de leões, um barco à vela, serpentinas, uma velha com um cão pela trela, um homem de andas, um panda, dois elefantes paramentados, três mulheres num monociclo, trinta e oito poemários, vinte e quatro relicários, uma horta, uma porta, escadas para baixo e para cima, serviço de quartos, relógio de ponto, despertadores e aspiradores, um ralo, um falo, uma agulha, um fuste, um poste, um bosque, um estendal, um pai natal, um poeta e um estucador, cinco pombas, um andor, um miúdo a vomitar, livros que voam, aves, ovos, uvas, luvas, chuva, raios, fragas, fadas, fendas, prendas, medos, dedos, baldes de praia, senhoras de saia, senhores com bóias, mergulhadores, pares e flores, um exército a fazer o pino, chave, sabre, submarino, um gigante, nove anões, sete gatos, dois portões.

falta-me
o teu silêncio de lã
p
ai
traz um melro no cabelo
enfeite de asas e penas
sobre longos braços louros
animados pelo vento
traz um melro no cabelo
enfeite de penas e asas
sobre as apertadas tranças
que lhe escoram o momento
traz um melro no cabelo
e não sente as duras garras
que se cravam na cabeça
fiéis só ao equilíbrio
espreita pelas frestas dos ramos
vive nas copas do tempo
sonha com dias inteiros
esvai-se na seiva dos dedos