casa alta

da janela da cozinha corre um céu até ao chão
(desprendem-se-me dos olhos constelações de pirilampos)
e o rio de mel que jorra das vozes pequeninas
junta-se à seiva das árvores
ao pulsar quente da terra
e a um corpo nu, líquido e frio
que já foi meu

visto-me de novo de casca
visto-me de vento, de concha, de casa
visto-me de porta e de degrau
sou levada pelo levante
descalça
com pés de gravilha
de estrada, de terra, de seixos
por muros, muralhas, montes, pontes, pinhais e montados
(ínfima sombra neste dia que se abre
como uma caixa que guarda um imenso clarão
e que demora a nivelar a cor do horizonte)

o voo espavorido das aves cobre-me de luz e de penas
e morre-me muitas vezes o mar quando chego
para poder renascer no tempo certo
a cada bater de asas
a cada derrocada de pedras
a cada sopro, cada choro
e a cada respiração


melides, 24 de agosto de 2012


















a walk in the woods

strange fruits and dead leaves
emerge proud and precarious
like metaphors
gently swaying in the summer breeze
mildly toxic, mildly sweet
invisible to the optimistic eye

unmoved by their slow decay
strong and brittle
so fiercely delicate
feeble, frail and yet so stern
they outlive
the occasional specks of colour
that life spits in my direction

rapazinhos
só me foram levar à escola no primeiro dia de aulas. não fiz pré, entrei para a primeira classe, mas já lia desde os quatro anos. a partir do segundo dia passei a ir sozinha, com a minha pasta cor-de-laranja e o cesto com o lanche, pelo passeio que contornava as pracetas, antes de os jardins terem dado lugar às flores de lata com rodas. tinha de atravessar apenas uma estrada preta, o resto do caminho parecia ter sido feito por medida para me levar à escola, e eu devia parecer uma espécie de judy garland com totós loiros. como já conhecia as letras, podia distrair-me à vontade com o cheiro dos lápis e do estojo, com a textura dos cadernos, com o tilintar das pulseiras da professora, com a inclinação da carteira que trazia o assento agarrado e com a extraordinária t-shirt dos marretas, muito brilhante de tão sintética, do menino sentado ao meu lado. pelo caminho apanhava umas flores cor-de-rosa que tinham dentro uma gota de um líquido doce. nunca menos de cinco ou seis. bem as provo agora, sempre que as vejo, mas ainda não encontrei uma que me devolvesse aquela sensação de doçura e pergunto-me se a terei perdido na minha boca.

frango com esparguete

dois corpos
dois copos vazios
um corpo
janelas fechadas
almas escancaradas
dois corpos
a mesa posta
o jogo na mesa
quatro pratos sujos
a televisão acesa
regime

um candeeiro redondo
improvisa-me uma lua
cortesia da autarquia
espero que alguém chegue
enquanto espero que a vida chegue
enquanto espero que portões se abram
para deixar passar a vida
com balões e bolas de sabão
um sorriso à prova de água
uma bicicleta sem rodinhas
uma paisagem perfeita em rolo
e um piquenique sem bolo
insónia

a cada inverso
da canção
des
cubro-me