antecâmara
não via as paredes mas adivinhava-as altas, imensas, longínquas. os seus passos todos não chegavam para as alcançar. a soma de todos os seus passos, multiplicada por todas as intenções. muito menos os braços, curtos, que para pouco mais serviam que para lastro. os fenómenos da gravidade. adivinhava as paredes, na sua cegueira forçada, pelo ricochetear das palavras, devolvidas em fogo cruzado de um canto e do outro. está aí alguém? assim sem cor, sem luz, sem forma, o corpo afigurava-se-lhe pequeno e grande ao mesmo tempo. deteve-se um momento na ambiguidade. pequeno como um grão de pó. grande. enorme. maior que todas as coisas. maior que as coisas maiores. uma impossibilidade física. a menos que.
deitou-se no chão liso, inexpressivo, que o acolheu durante o esforço que fez por recordar. os círculos, os quadrados, os cubos, o cubo, o corpo. nem um som. não via a mancha branca de tinta que se agarrara à pele. não via a pele. estranho espelho aquele que lhe devolvia a nudez da alma. esbugalhou os olhos. então era assim que se era por dentro. nada. onde estariam as coisas que arquivara meticulosamente? e as que remetera para arquivo morto? não podia estar dentro. em algum sítio devia haver uma fresta por onde entrasse luz, uma reentrância que contrariasse a lisura, que detivesse o gesto. fez-se ao caminho, parando de vez em quando para se certificar de que o chão ainda lhe segurava os passos.