sísifo
não as senti nas minhas costas
as tuas mãos
apenas o vento
que me trespassava com ganchos na ponta
cordas de nunca
que me lançavas aí debaixo do extremo
do teu promontório de certezas
que conquistaste à força avançando vulcânico
pelo meu mar adentro
subi
lastro de um corpo faminto
estilhaços de boas intenções
tesouros que pareciam luzir
se a inclinação do olhar fosse certa
dentro das noites de chumbo
que atravessei como um espectro
daqui tudo é definido e claro
tudo faz sentido
devíamos viver do fim para o princípio
desenterrar o composto
retirá-lo da sua cova
e devolver a fruta podre às árvores
para a encontrar perfeita no dia seguinte
devíamos ser feitos de fruta
como a menina maçã
a quem joão sem medo
não resistiu morder a face
por ter fome
devíamos cuspir sementes
raízes em potência
que assim teriam espaço
e escusavam de enrodilhar
nos nossos dedos pescoço cabeça língua
as alternativas declinadas de uma vida inteira
cabos eléctricos que sobram ao longo dos anos
e que tentamos fechar numa gaveta perdida
bainhas desfeitas e o seu rasto de linha
imperceptível trajecto do impossível
tenho preso ao braço esquerdo
o elástico da distância
o garrote que me estanca a hemorr
agia
e inverte a direcção do meu sangue