os números não se fixam na minha cabeça. misturam-se como ingredientes pesados numa balança de ourives e fundem-se em coágulos caóticos que se dispersam pelo corpo. quando tenho de repetir um número vasculho-me até o encontrar. ninguém percebe, mas é um esforço enorme. se dou com ele fico feliz como um miúdo que acabou de acertar numa conta de dividir.
p
pi
i
pin
ping
ga
a
á
gu
a
da
g
o
t
e
i r a,
p
pi
i
pin
ga
a
go
ta
pi
n
ga.
pi
n
ta
a man
cha
queseentranhaqueseentranha
estranhaestranhaestranhaestranha
entrentretrentrentreentreentreentreentre
e n t r a n h a e n t r a n h a e n t r a n h a
q u e s e e n t r a n h a
entr
anha
ee
scorr
e,
morre.
soa o sangue
na minha cabeça.
s
s
s
s
s
o
o
o
o
o
a
a
a
a
s
s
s
s
s
soa.
so. a.
sou a gota que se esvai em
si.
pi
i
pin
ping
ga
a
á
gu
a
da
g
o
t
e
i r a,
p
pi
i
pin
ga
a
go
ta
pi
n
ga.
pi
n
ta
a man
cha
queseentranhaqueseentranha
estranhaestranhaestranhaestranha
entrentretrentrentreentreentreentreentre
e n t r a n h a e n t r a n h a e n t r a n h a
q u e s e e n t r a n h a
entr
anha
ee
scorr
e,
morre.
soa o sangue
na minha cabeça.
s
s
s
s
s
o
o
o
o
o
a
a
a
a
s
s
s
s
s
soa.
so. a.
sou a gota que se esvai em
si.
viro a página do bloco de papel químico saboreando o barulho e o toque da folha fininha. que vontade de a amachucar. mas não posso. aliso a folha. é a primeira. está tão gasta. passou bem, fico contente. é engraçado como uma cor pode ser todas as cores e todos os cheiros e todos os sons que temos na memória. a triplicar.
quando eu era pequenina tinha uma cadeira vermelha que o meu tio me comprou numa feira. uma cadeira pequenina.
era uma cadeira alentejana com flores alentejanas. o meu tio era do norte, não sei onde a comprou.
gostava dela por ser vermelha. por ter flores. por ser alentejana como a minha mãe. e por ser a minha cadeira.
usava-a para me sentar a ouvir as histórias que a minha mãe me ia contando enquanto cozinhava. a minha mãe nunca me dizia o que ia ser o jantar.
usava-a também para me empoleirar e chegar à prateleira da despensa onde estava o vinagre. gostava de beber vinagre às escondidas.
um dia a palhinha rompeu-se e a cadeira esteve muito tempo ferida num canto da casa. até que outro tio, alentejano, apareceu com buinho e passou horas a consertá-la.
fiquei muito contente, mas já não cabia na cadeira.
fui ao cinema. sentei-me na fila da frente. a sala era grande e os lugares não eram marcados. começou. era um daqueles filmes que quase ninguém quer ver. o meu olhar percorreu o ecrã como um cursor, à procura do pormenor certo para se fixar. cena a cena. plano a plano. frame a frame. uma sucessão de imagens abstractas como paredes em cinemascope. há mais para além do que vejo. mais braços, mais pele, mais chão. as palavras não batem com a boca. as legendas estão desfasadas. quem fez esta tradução? está cheia de erros.
estou a ir. estar. ir. vou e estou ao mesmo tempo. o meu tempo e o meu espaço como dois ímanes de pólos iguais e eu no centro da força, centrifugada pela cidade. os pés não tocam no chão. o corpo é sugado por algo que logo o bombeia de volta em movimentos bruscos e sincopados. elásticos. estou quase lá, mas antes que os meus olhos toquem no relógio parado que está no cais de embarque, vejo-me vinte passos atrás. reoxigenada. e cruzo-me com caras familiares. parecem-me familiares. hoje parece que conheço toda a gente, mas ninguém me reconhece. vamos em direcções contrárias. em sentidos opostos. na mesma via. de há pouco.
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