presentes
deram-me muitas vezes (muitas)
embrulhos que eu fingia desconhecer
caixas (caixas transparentes)
cheias de dias claros (brancos)
embrulhadas em nuvens (nada)
com laços azuis (um céu sem espessura)
eu aceitava os embrulhos
guardava-os nos braços, nas pernas, onde os pudesse ver
e esquecia-me deles
até sentir uma dor fininha, uma comichão, uma moinha
e perceber, com a ponta dos dedos,
que mos tinham arrancado
gente estúpida que desconhece
os caminhos da pele
e que não vê que esta cobre
tudo o que o sonho rejeita
chegaste como um som límpido
que suprime a luz em volta
trapezista sem vara
numa corda em rigorosa tensão
e como uma vaga de fundo
que apenas se pressente
nas imagens reflectidas
em janelas que se abrem
ocupaste-me as sombras
subiste-me pelo ventre
desenhando o contorno do mundo
com as pontas dos dedos
no espelho embaciado
da minha voz
21 de novembro de 2015
que suprime a luz em volta
trapezista sem vara
numa corda em rigorosa tensão
e como uma vaga de fundo
que apenas se pressente
nas imagens reflectidas
em janelas que se abrem
ocupaste-me as sombras
subiste-me pelo ventre
desenhando o contorno do mundo
com as pontas dos dedos
no espelho embaciado
da minha voz
21 de novembro de 2015
1, 2, 3
sentou-se aos pés do poeta a desfazer o princípio de uma camisola que haveria de a aquecer nos dias frios. começou-a demasiado cedo, o outono estava ameno. não percebia como podiam as pessoas andar de casaco e cachecol quando ela se desfazia em água e se via obrigada a vestir-se de ar condicionado, sempre que podia, para se manter viva. passaram muito perto os bombeiros a acorrer a um incêndio e, por entre a gritaria das sirenes, ficou a saber que, mais uma vez, se tinha morrido em paris em nome de nada. sangue, sirenes, solidão. estranha harmonia aquela. por vezes era obrigada a parar de enrolar o novelo para responder ao ecrã do telefone. quem a visse de fora, parecia que comunicava com o homem sentado uns metros à frente num banco de pedra, também ele de olhos postos no telemóvel. mas não. guardou o novelo na mala.
sentou-se aos pés do poeta a desfazer o princípio de uma camisola que haveria de a aquecer nos dias frios. começou-a demasiado cedo, o outono estava ameno. não percebia como podiam as pessoas andar de casaco e cachecol quando ela se desfazia em água e se via obrigada a vestir-se de ar condicionado, sempre que podia, para se manter viva. passaram muito perto os bombeiros a acorrer a um incêndio e, por entre a gritaria das sirenes, ficou a saber que, mais uma vez, se tinha morrido em paris em nome de nada. sangue, sirenes, solidão. estranha harmonia aquela. por vezes era obrigada a parar de enrolar o novelo para responder ao ecrã do telefone. quem a visse de fora, parecia que comunicava com o homem sentado uns metros à frente num banco de pedra, também ele de olhos postos no telemóvel. mas não. guardou o novelo na mala.
percebeu que podia esticar as palavras como fazia com os clips. ficavam
quase direitas, uns pequenos desvios apenas. passou a fazê-lo com
algumas. as verdadeiras. as que via como verdadeiras. as que queria ver
como verdadeiras. as que queria. eram mais macias que o arame dos clips,
muito mais fáceis de moldar. uniu-as com pequenos nós e enrolou-as num
novelo. passou a noite a tricotar uma camisola mais fresca numa malha
muito aberta, permeável ao mais pequeno sopro.
no dia seguinte. no dia seguinte tomou banho e lavou-se duas vezes para estar mais tempo ali, fingindo-se limpa. e decidiu ficar, sem culpa, o tempo que lhe apetecesse debaixo do chuveiro. só. só assim. como se respirasse debaixo de água. até querer. até a pele dos dedos encarquilhar. vestiu-se e saiu de casa. gostou de se ver no espelho do elevador com a camisola nova, permeável a sopros. saiu vestida de palavras, das palavras que queria, indiferente aos nós que, no avesso, lhe picavam e feriam a pele. o coração gritava-lhe o incêndio, em nome de quê, gritava, em nome de nada. mas ela ignorava a dor e ria. quando chegasse a casa logo via se era sangue o que sentia escorrer-lhe pelo corpo. por enquanto ninguém tinha reparado em nada e a noite beijava-a por entre as aberturas da malha.
no dia seguinte. no dia seguinte tomou banho e lavou-se duas vezes para estar mais tempo ali, fingindo-se limpa. e decidiu ficar, sem culpa, o tempo que lhe apetecesse debaixo do chuveiro. só. só assim. como se respirasse debaixo de água. até querer. até a pele dos dedos encarquilhar. vestiu-se e saiu de casa. gostou de se ver no espelho do elevador com a camisola nova, permeável a sopros. saiu vestida de palavras, das palavras que queria, indiferente aos nós que, no avesso, lhe picavam e feriam a pele. o coração gritava-lhe o incêndio, em nome de quê, gritava, em nome de nada. mas ela ignorava a dor e ria. quando chegasse a casa logo via se era sangue o que sentia escorrer-lhe pelo corpo. por enquanto ninguém tinha reparado em nada e a noite beijava-a por entre as aberturas da malha.
futuro
quando nasci quase me esqueci de trazer
o meu presente comigo
os dias todos da minha vida
pequenos papéis vegetais
páginas de um livro por coser
antes de nascer costumava sobrepô-las
em múltiplas combinações
ao alto
ao baixo
desencontradas
formando mapas de cidades muito diferentes
mais dispersas mais concentradas
mas todas centrífugas
antes de nascer parecia fácil escavar as ruas
da minha cidade
não sabia que as teria de escavar
dentro de mim
não sabia que a cidade era só eu
e que haveria de ser eu
a única habitante de todas as casas
a guardiã de todos os jardins
a origem de todas as sombras
talvez por isso hoje não pertença
a parte nenhuma
deixei a cidade a meio
revolta
estaleiro de equívocos
andaimes incertos a segurar o céu
jogo de espelhos puídos
onde raramente me reconheço
onde confundo direito com avesso
dentro e fora longe e perto
tarde e cedo quente e frio
deixei a cidade a meio
abandonada
alimento-me do papel
que me corta os dedos
e me lembra que são dias
estes dias de nada
nasceu tetraplégica
num corpo que se move
não sabe de que lado está
penteia-se em espelho
o risco do lado errado
a mão errada no risco
a mão errada no risco
desdobra dias
como pratas de chocolate
abrem-se e alisam-se com os dedos
e depois, se não se rasgarem,
com a unha do polegar
até ficarem quase novos
vive os dias ao contrário
quarto azul
da próxima vez manda-me a
chave da caixa
onde guardaste as polaroids in
decentes
e os gritos e os gemidos
cuidadosamente embrulhados
em papel de manteiga com um atilho
em cruz
prometo que digo à pandora
para sair
enquanto eu sor
ver
cada imagem in
decente
com os olhos de dentro e de fora
os olhos dos dedos e os olhos dos doidos
enquanto a pandora, lá fora à chuva,
se molha
e eu molho os bis
coitos
no chá
para os amole
ser
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