sentou-se aos pés do poeta a desfazer o princípio de uma camisola que haveria de a aquecer nos dias frios. começou-a demasiado cedo, o outono estava ameno. não percebia como podiam as pessoas andar de casaco e cachecol quando ela se desfazia em água e se via obrigada a vestir-se de ar condicionado, sempre que podia, para se manter viva. passaram muito perto os bombeiros a acorrer a um incêndio e, por entre a gritaria das sirenes, ficou a saber que, mais uma vez, se tinha morrido em paris em nome de nada. sangue, sirenes, solidão. estranha harmonia aquela. por vezes era obrigada a parar de enrolar o novelo para responder ao ecrã do telefone. quem a visse de fora, parecia que comunicava com o homem sentado uns metros à frente num banco de pedra, também ele de olhos postos no telemóvel. mas não. guardou o novelo na mala.
percebeu que podia esticar as palavras como fazia com os clips. ficavam
quase direitas, uns pequenos desvios apenas. passou a fazê-lo com
algumas. as verdadeiras. as que via como verdadeiras. as que queria ver
como verdadeiras. as que queria. eram mais macias que o arame dos clips,
muito mais fáceis de moldar. uniu-as com pequenos nós e enrolou-as num
novelo. passou a noite a tricotar uma camisola mais fresca numa malha
muito aberta, permeável ao mais pequeno sopro.
no dia seguinte. no dia seguinte tomou banho e lavou-se duas vezes para estar mais tempo ali, fingindo-se limpa. e decidiu ficar, sem culpa, o tempo que lhe apetecesse debaixo do chuveiro. só. só assim. como se respirasse debaixo de água. até querer. até a pele dos dedos encarquilhar. vestiu-se e saiu de casa. gostou de se ver no espelho do elevador com a camisola nova, permeável a sopros. saiu vestida de palavras, das palavras que queria, indiferente aos nós que, no avesso, lhe picavam e feriam a pele. o coração gritava-lhe o incêndio, em nome de quê, gritava, em nome de nada. mas ela ignorava a dor e ria. quando chegasse a casa logo via se era sangue o que sentia escorrer-lhe pelo corpo. por enquanto ninguém tinha reparado em nada e a noite beijava-a por entre as aberturas da malha.
no dia seguinte. no dia seguinte tomou banho e lavou-se duas vezes para estar mais tempo ali, fingindo-se limpa. e decidiu ficar, sem culpa, o tempo que lhe apetecesse debaixo do chuveiro. só. só assim. como se respirasse debaixo de água. até querer. até a pele dos dedos encarquilhar. vestiu-se e saiu de casa. gostou de se ver no espelho do elevador com a camisola nova, permeável a sopros. saiu vestida de palavras, das palavras que queria, indiferente aos nós que, no avesso, lhe picavam e feriam a pele. o coração gritava-lhe o incêndio, em nome de quê, gritava, em nome de nada. mas ela ignorava a dor e ria. quando chegasse a casa logo via se era sangue o que sentia escorrer-lhe pelo corpo. por enquanto ninguém tinha reparado em nada e a noite beijava-a por entre as aberturas da malha.