Monólogo para Uma Actriz
[Texto escrito para a participação do colectivo «Se Eu Escrevesse Tu Dizias» no Festival Condomínio, Évora, 21 de Abril de 2017]


Cheguei aqui a andar.
(Cheguei aqui a andar.)

Vim de longe e com ba
lanço.
Vim de trás para a f
rente, de baixo para cima.

Quando parei não re
parei
que estava parada e continuei.
É preciso pegar no co
mando, às vezes.
Fazer pa
usa.
Ver as coisas frame a frame, dia
positivo
a dia
positivo,
in
tenção
a in
tensão,
verbo a verbo.

A minha vida são duas linhas paralelas,
duas estradas planas, dois car
ris ao sol
que nunca se encontram.
O tempo pen
dourado.
O tempo pendurado numa linha.
A pender sobre a minha cabeça.
Na outra linha o tempo que me resta.

Pas
sei
de carro numa estrada a sub
ir
e vi um objecto preso a um eixo
em movimentos aflitos de urgência, de com
passo de esperança,
de demora ou de emboscada.
Pas
sou na minha cabeça
uma teo
ria das coisas em espera
enquanto observava, naqueles três ou quatro segundos,
o estranho objecto negro preso a um eixo:

_Um drone no meio de um descampado.
_Um drone enleado na program
acção
da rota.
_Um olho-câmara preso num ponto in
visível.
_Um olho-scanner a varrer micro
teatros de guerra.
_Uma mão electrónica a sorver energia da t
erra.
_Uma mão mecânica retro
compatível,
com dedos cheios de artroses calculadas.
_Um ped
aço
de um corpo desmembrado as
sente
num feixe magnético.
_Uma pedra de um rio f
rio
que se perdeu no elemento.

Era um pássaro.
(Era um pássaro.)

Vi-o com a minha visão peri
férica.
Distingui-o com a visão in
terna.

Batia incessantemente as asas sem sair do lug
ar.
Um brinquedo que finge que voa
preso a um braço pequeno
que tudo al
cansa.
E no en
tanto
parecia
que
naquele
instante
se
parasse
o mundo
caía.

Omundopresoporumcordelàssuaspatas.
Todoopesodomundosuportadoporummovimentodeasas.
Asvidastodassuspensasnumvooperfurante.
Aesferadomundoesmagadapelaausênciadepesodaquelepássaroúnico.
Umsópássaro.
Umpássaro
só.