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horizonte
cheguei de submarino e não pude sair. esqueci a garrafa de oxigénio noutro porto. ficou lá para ser limpa por dentro e de novo cheia, mas perdi-me nas correntes de ar da ilha e não voltei para a reclamar. há ar em abundância naquela ilha. tanto ar que os seus habitantes deixaram de respirar, o ar entra-lhes pelo nariz, pela boca e pelos poros, até aos pulmões, sem que tenham de fazer qualquer esforço, qualquer movimento. tanto ar que podia simplesmente ter aberto a minha garrafa. podia simplesmente ter desenroscado a tampa, aberto a válvula e deixado o ar entrar. mas queria que fosse limpa. por dentro. o homem olhou-me de uma forma estranha. há muito tempo que não via uma garrafa de oxigénio. pelo menos uma daquele modelo.
naquele porto não havia ar respirável. era um porto paralelo. lá fora a paisagem era normal, azul, branco, preto, vermelho, mas o ar era como vácuo que nos suga, vingativo, se o tentarmos inalar. no cais jazem as marcas dos barcos e dos marinheiros de muitas viagens longínquas que lá foram só para dizer que lá estiveram.