kintsugi

sair de dentro das paredes
da caixa de ar entre as fiadas de tijolo furado
depois de dormir metida nos roços
da luz e da água
e de escavar sonhos de lã de vidro
janelas para árvores de folha persistente
grãos de vida
e montes de morte
em contínua derrocada arenosa
que aprendi a aparelhar

faço-o como fazem os brinquedos
de todos os quartos de infância
como uma ninja
como uma aparição
ninguém nota ninguém sabe
que vivo no avesso das coisas
é lá que sou

quando me vêem voltei a mim
com veios de ouro
a prender-me a vontade e o desejo
às fases da lua e à rotação da terra
às marés e aos incêndios
aos ventos que não me levam tudo
e àquele sítio entre os lírios onde brincava
a minha casa de folhas verdes
rigoroso decalque
da história que a mim me contava