há um momento em que te desvias dos postes
e dos troncos das árvores
por instinto
os olhos enfaixados com a gaze puída do passado
para que não te esqueças de quando sabias ser
por cima da gaze os óculos graduados
sujos de pólen e de lágrimas secas
como se te chovesse dentro de casa
e cada dia um tipo em chumbo, corpo 24, caixa alta
tomas-lhe o peso com uma mão
(não percebes por que ordem te aparecem)
e junta-lo aos outros no saco de pano
que a custo manténs acima do chão

antes de teres passado fechavas os olhos
e fazias questão de não acender a luz
quando te levantavas da cama
conhecias cada palmo de parede
entre cada aduela do corre
dor
das tuas casas
as tuas casas eram só uma
uma casa bonita com falhas nas aduelas
que lias com a ponta dos dedos
e traduzias com o teu sangue
sobre as paredes brancas
numa caligrafia indizível

querias saber em que que se tornara o mundo
para o teu pai
a partir do dia em que deixou de ver
então fingias-te cega
como se cega conseguisses vestir a pele do teu pai
andar sobre os seus pés como fazias em pequena
descobrir o sentido com os dedos
onde eles chegassem

antes de teres passado eras muito mais cega que o teu pai
e quando viste pela primeira vez
doeram-te os olhos, doeu-te tudo
do
eu

doeram-te as casas
e as suas geografias
as frases que escreveste só com a maiúscula de cada palavra
as frases que sobrepuseste para que só tu as conseguisses ler
(outras geografias)
as frases que escreveste em espelho
para que fossem o embaciar da tua respiração
e o seu contrário
e as que nunca escreveste por medo e vergonha
(a tua geografia)

a paisagem agora tem forma
e tu tens os tempos todos contigo
os tipos de chumbo foram ficando
em bancos de jardim
em casas de amigos
em mãos que apertaram as tuas mãos
são o manual de instruções
do mecanismo complexo que te anima

e aceitas esta nova cegueira
que é só tua
única e nua
até que o mundo te queira